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Responsabilidade civil nas fake news

O fenômeno das fake news, entendidas como mensagens cujo conteúdo é enganoso ou dissociado da realidade dos fatos, não é uma novidade na história dos meios de comunicação. Um exemplo emblemático ocorreu em 1938, quando Orson Welles dramatizou uma invasão alienígena em um programa de rádio, supostamente causando pânico em moradores da costa leste dos Estados Unidos. Naquela época, o rádio era o meio de comunicação novo e disruptivo, assim como as redes sociais são hoje. A força da narrativa, por mais absurda que pareça, tem o poder de turvar a linha entre realidade e ficção, uma vez que a produção de sentido se completa na subjetividade de cada ouvinte ou leitor.
Recentemente, as fake news sobre uma possível taxação da ferramenta PIX ilustram como notícias aparentemente triviais podem servir de pano de fundo para disputas narrativas entre projetos políticos. Uma das externalidades dessa disputa em específico são os efeitos subjetivos provocados em pessoas cuja ferramenta é essencial para seus microempreendimentos. Um ambiente de segurança e previsibilidade é fundamental para que negócios sejam celebrados e cumpridos. Para que transações econômicas ocorram em sua plenitude, é necessário que os agentes envolvidos possam conhecer seus custos. Qualquer alteração fiscal, real ou suposta, afeta a percepção desse valor e pode prejudicar a circulação de bens e serviços, mesmo que momentaneamente.
Nesse contexto, toda e qualquer mitigação em programas de checagem de fatos deve ser interpretada com cautela, considerando o potencial impacto da propagação de fake news no comportamento das pessoas. A regulação das redes sociais seria benéfica nesse sentido, dada a influência dessas notícias na economia real. Enquanto a regulação sofre todo tipo de mudanças alvissareiras, é crucial discutir a responsabilidade civil associada à produção e disseminação de fake news.
Responsabilidade Civil nas Fake News
A responsabilidade civil é conceito jurídico que impõe a obrigação de reparar danos causados a terceiros. No caso das fake news, tanto quem produz a informação falsa quanto quem a compartilha pode ser responsabilizado civilmente, dependendo do contexto e dos danos causados. O ordenamento jurídico brasileiro oferece bases normativas e jurisprudenciais para tratar dessas questões.
1. Responsabilidade do Produtor da Informação Falsa:
Quem cria e divulga fake news pode ser responsabilizado civilmente por danos morais e materiais causados a terceiros. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado o entendimento de que a divulgação de informações falsas que causam danos à honra, à imagem ou à reputação de alguém configura ato ilícito passível de indenização.
Um caso emblemático é o Recurso Especial nº 1.593.873/SP, em que o STJ reconheceu a responsabilidade civil de um jornal por danos morais decorrentes da publicação de notícia falsa que afetou a reputação de uma empresa. O tribunal destacou que a liberdade de imprensa não é absoluta e deve ser exercida com responsabilidade, sob pena de gerar obrigação de reparar danos.
2. Responsabilidade de Quem Compartilha a Informação Falsa:
A responsabilidade civil também pode recair sobre quem compartilha fake news, especialmente se o compartilhamento for feito de forma negligente ou maliciosa. O STJ, no Recurso Especial nº 1.720.475/RS, entendeu que a simples reprodução de informação falsa, sem a devida verificação, pode configurar negligência e gerar obrigação de indenizar. No caso, uma pessoa foi condenada a pagar danos morais por compartilhar, em rede social, acusações falsas contra um terceiro.
3.Impacto Coletivo e Responsabilidade das Plataformas:
Além dos danos individuais, as fake news podem causar impactos coletivos, como a desestabilização de mercados, a polarização política e a erosão da confiança nas instituições. Nesses casos, a responsabilidade civil pode ser ampliada para incluir plataformas que falham em moderar conteúdos falsos de forma eficaz. O artigo 19 do Marco Civil da Internet estabelece que as plataformas só são responsabilizadas após ordem judicial, mas há discussões no Judiciário sobre a necessidade de maior proatividade na moderação de conteúdos.
Por Daniel Chierighini Barbosa, Sarah Bria de Camargo e Ana Paula de Assis Matias