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Fracionamento de recibos médicos: riscos e limites éticos

O fracionamento de recibos médicos configura prática ilegal e representa violação grave das obrigações contratuais estabelecidas entre operadoras de saúde e beneficiários. Consiste na emissão de diversos recibos para um mesmo atendimento, com o intuito de burlar os limites de reembolso fixados em contrato. Tal prática tem implicações jurídicas, éticas e criminais que exigem atenção dos médicos e pacientes.
Os reembolsos médicos são definidos contratualmente e não possuem um valor máximo fixado por lei, variando conforme o tipo de plano de saúde contratado. Operadoras oferecem diferentes modalidades de cobertura, com reembolsos vinculados à tabelas específicas.
A tentativa de contornar essas regras por meio de simulações constitui grave afronta à boa-fé objetiva, princípio das relações privadas, previsto no artigo 422 do Código Civil.
O fracionamento cria a falsa impressão de que ocorreram atendimentos diversos, quando, na realidade, houve apenas uma única prestação de serviço. Essa simulação é utilizada para obter vantagem econômica indevida, em prejuízo da operadora de saúde.
A conduta, nesse cenário, não se limita à esfera contratual e pode alcançar contornos criminais. Nos termos do artigo 171 do Código Penal, a prática pode ser enquadrada como estelionato.
Isso porque há evidente intenção de induzir a operadora em erro e causar-lhe prejuízo. A configuração do delito dependerá da prova do dolo específico, isto é, da intenção deliberada de fraudar o sistema de reembolso. Em situações nas quais tal intenção se comprova, não apenas o médico, mas também o paciente pode ser responsabilizado criminalmente.
Do ponto de vista civil, a operadora tem o direito de exigir a devolução dos valores pagos indevidamente, ajuizar ações de ressarcimento e, inclusive, promover a rescisão do contrato. Na esfera administrativa, o médico envolvido poderá responder perante o Conselho Regional de Medicina por infração ética, estando sujeito a sanções como advertência, suspensão e, em casos graves e reiterados, cassação do registro profissional.
Além disso, as operadoras têm o dever de comunicar a fraude aos órgãos competentes. A depender da gravidade o caso pode ser levado ao conhecimento do Ministério Público, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e do próprio Conselho Profissional.
A identificação do fracionamento tem se tornado cada vez mais precisa, com o uso de ferramentas de auditoria e cruzamento de dados, que avaliam a frequência, datas de emissão de recibos e valores reembolsados. Em muitos casos, o paciente se envolve na fraude sem plena consciência da gravidade da conduta, sob orientação do prestador.
O combate ao fracionamento de recibos exige uma atuação conjunta de operadoras, órgãos de fiscalização e usuários.
A informação clara sobre os riscos jurídicos, a orientação ética dos profissionais e a implementação de sistemas eficazes de controle são elementos essenciais para proteger o equilíbrio contratual e assegurar a integridade das relações na saúde suplementar. A fraude não é apenas uma violação individual: compromete a coletividade e impõe custos que recaem, ao fim, sobre todos os usuários.
Por Gabrielle Chalita